Decisão apelação 0000326-73.2024.8.26.0242

Recurso: Apelação

Relator: CÉSAR ZALAF

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 16 de julho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO. DEMANDA INICIALMEN- TE PROPOSTA COMO RECLAMAÇÃO TRABA- LHISTA. COMPETÊNCIA DECLINADA PARA A JUSTIÇA COMUM POR SE TRATAR DE RELA- Jurisprudência - Direito Privado ÇÃO COMERCIAL. SENTENÇA DE IMPROCE- DÊNCIA. TRANSPORTE AUTÔNOMO DE CAR- GAS. CABE À JUSTIÇA COMUM ESTADUAL EXAMINAR, À LUZ DOS REQUISITOS PREVIS- TOS NA LEI Nº 11.442/2007, SE O CONTRATO DE TRANSPORTE DE CARGAS POSSUI, OU NÃO, NATUREZA COMERCIAL. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF NA ADC Nº 48 E PELO STJ NO AG.INT. NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 180.647/SP. RELAÇÃO QUE SE AMOLDA À MODALIDADE DE CONTRATO REGIDA PELA LEI N° 11.442/2007. IMPROCEDÊNCIA MANTI- DA. RECURSO NÃO PROVIDO.(TJSP; Relator: CÉSAR ZALAF; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 16 de julho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 12.108) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAR- LOS ABRÃO (Presidente) e THIAGO DE SIQUEIRA. São Paulo, 16 de julho de 2025. CÉSAR ZALAF, Relator 208


Ementa: APELAÇÃO. DEMANDA INICIALMEN- TE PROPOSTA COMO RECLAMAÇÃO TRABA- LHISTA. COMPETÊNCIA DECLINADA PARA A JUSTIÇA COMUM POR SE TRATAR DE RELA- Jurisprudência - Direito Privado ÇÃO COMERCIAL. SENTENÇA DE IMPROCE- DÊNCIA. TRANSPORTE AUTÔNOMO DE CAR- GAS. CABE À JUSTIÇA COMUM ESTADUAL EXAMINAR, À LUZ DOS REQUISITOS PREVIS- TOS NA LEI Nº 11.442/2007, SE O CONTRATO DE TRANSPORTE DE CARGAS POSSUI, OU NÃO, NATUREZA COMERCIAL. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF NA ADC Nº 48 E PELO STJ NO AG.INT. NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 180.647/SP. RELAÇÃO QUE SE AMOLDA À MODALIDADE DE CONTRATO REGIDA PELA LEI N° 11.442/2007. IMPROCEDÊNCIA MANTI- DA. RECURSO NÃO PROVIDO.





VOTO

Trata-se de Ação de cobrança inicialmente ajuizada na justiça do Traba- lho, por FERNANDO CESAR ORMENEZE em face de I.C. TRANSPOR- TES LTDA, cuja competência foi declinada em favor desta Justiça Comum por acórdão proferido por Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho. Vindo os autos, sobreveio sentença julgando improcedente os pedidos e condenando o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa e multa por litigância de má- fé, respeitada a gratuidade. Inconformado, o autor apelante alega que foi contratado na função de motorista carreteiro, utilizando-se do próprio veículo. Diz que a empresa não efetuou o registro na CTPS e exigiu a constituição de uma empresa para rece- ber seus proventos, a fim de descaracterizar o vínculo. Aduz que possuía todas as características de empregado. Sustenta que não tinha cadastro na ANTT ou outros órgãos e a constituição da empresa foi condição sine qua non para que pudesse trabalhar para a ré. Aduz que está em busca do reconhecimento do vín- culo empregatício. Requer seja afastada a multa por litigância de má-fé. Pleiteia a reforma da sentença para que seja reconhecido o vínculo empregatício. Recurso tempestivo e processado regularmente, sem preparo. Contrarra- zões pelo improvimento. É o relatório. Não há questões que impeçam o conhecimento deste recurso, que, quanto ao seu objeto, não merece provido. Trata-se na origem de ação trabalhista por meio da qual o autor busca o registro em CTPS, recolhimento de FGTS e INSS, cujo relatório da r. sentença adoto para melhor compreensão da causa: Jurisprudência - Direito Privado Narra a inicial que o autor foi admitido pela ré para exercer a função de motorista no período de dezembro de 2018 até julho de 2021, pres- tando serviços de forma pessoal, exclusiva e habitual, mediante fretes previamente ajustados pela ré para cada viagem. Sustenta que a relação jurídica mantida com a ré possuía todos os requisitos caracterizadores do vínculo de emprego, conforme previsto nos artigos 2º e 3º da CLT, com pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. Afirma que, apesar da existência de documentos assinados, incluindo “contrato de frete”, estes foram impostos pela ré de maneira arbitrária para fraudar seus direitos trabalhistas. Requer o reconhecimento do vínculo emprega- tício, anotação na CTPS, pagamento de verbas rescisórias trabalhistas e a declaração de nulidade dos documentos elaborados pela ré (folhas 3/17). Juntou documentos (folhas 18/196). Em contestação, a ré arguiu, preliminarmente, a incompetência material da Justiça do Trabalho, inép- cia da inicial e impugnou o valor da causa. No mérito, sustentou a ine- xistência de vínculo empregatício, alegando que a relação entre as partes se deu sob a égide da Lei Federal n. 11.442/2007, configurando relação de natureza comercial. Afirmou que o autor era transportador autônomo de cargas (TAC), inscrito na ANTT, proprietário do veículo utilizado na prestação dos serviços, com autonomia para recusar fretes e sem subor- dinação à empresa. Juntou documentos para comprovar o caráter comer- cial da relação, incluindo extrato bancário de 2021 demonstrando que o autor recebia pagamentos de outras empresas de transporte. Acusou o autor de litigância de má-fé e requereu a improcedência dos pedidos (folhas 234/305). Juntou documentos (folhas 306/434). Declinada a com- petência pela Justiça do Trabalho (folhas 449/499), o autor apresentou réplica (folhas 505/509), reiterando os pedidos iniciais e refutando os ar- gumentos da ré. Insistiu na existência de vínculo empregatício, afirmando que os requisitos da Lei Federal n. 11.442/2007 não estariam presentes e que trabalhava com exclusividade, pessoalidade e sob subordinação à ré e reiterando o pedido de gratuidade de justiça. Na ADC n° 48, o C. STF, ao analisar a constitucionalidade da Lei 11.442/07, reconheceu que compete à Justiça Comum verificar se os requisitos legais estão preenchidos para definir a natureza da relação jurídica entre as par- tes. Tal entendimento foi acompanhado pelo STJ, no julgamento do AgInt no Conflito de Competência n° 180.647-SP, cuja ementa cito: “AGRAVO INTERNO NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊN- CIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. LEI 210 11.442/2007. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDA- DE Nº 48/DF. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. DEMANDA DEVE SER INICIALMENTE AFORADA NA JUSTIÇA COMUM. VERIFICAÇÃO DE REQUISITOS DA CONTRATAÇÃO. Jurisprudência - Direito Privado AFASTAMENTO PELO JUÍZO ESTADUAL. PEDIDO DE RECONHE- CIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. REMESSA À JUSTIÇA DO TRABALHO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO LABORAL. SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Na ori- gem, a controvérsia cinge-se em determinar o Juízo competente para analisar demanda em que a parte interessada requer o reconhecimento de vínculo trabalhista, em que pese a celebração de contrato de transpor- te rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração, o qual é regido pela Lei n° 11.442/2007. 2. O Supremo Tribunal Federal - STF, no âmbito da ADC n° 48/DF reconheceu a constitucionalidade da Lei n° 11.442/2007 que prevê o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração. 3. O STF vem decidindo que a dis- cussão sobre a presença dos pressupostos e requisitos legais inerentes à contratação sob a égide da Lei n° 11.442/2007 deve iniciar-se na Justiça Comum e constatado que não foram preenchidos os requisitos dispostos na lei supracitada, a competência passaria a ser da Justiça do Trabalho. 4. No caso sob análise, a demanda foi inicialmente proposta no Juízo laboral que declinou de sua competência, remetendo o feito à Justiça estadual que reconheceu não estarem presentes os requisitos caracteri- zadores do contrato de transporte rodoviário de cargas por conta de ter- ceiros e mediante remuneração regido Lei n° 11.442/2007 5. Ademais, se a parte agravante não concorda com os fundamentos exarados pelo Juízo estadual, que afastou a incidência da Lei n° 11.442/2007, deveria se va- ler dos recursos pertinentes para a reforma do julgado, ao passo que o presente conflito de competência não pode ser utilizado como sucedâneo recursal sob pena de supressão de instâncias, conforme o pacífico enten- dimento desta Corte Superior. 6. Agravo interno não provido. Os requisitos, por sua vez, estão elencados no artigo 2º, I, § 1°, da Lei nº 11.442/07, que dispõe: “A atividade econômica de que trata o art. 1º desta Lei é de natureza co- mercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concor- rência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas RNTR -C da Agência Nacional de Transportes Terrestres ANTT, nas seguintes categorias: I Transportador Autônomo de Carga TAC, pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional; II Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas ETC, pessoa jurídica constituída por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte Jurisprudência - Direito Privado rodoviário de cargas a sua atividade principal. § 1º - O TAC deverá: I comprovar ser proprietário, co-proprietário de, pelo menos, 1 (um) veículo automotor de carga, registrado em seu nome no órgão de trânsito, como veículo de aluguel; II comprovar ter expe- riência de, pelo menos, 3 (três) anos na atividade, ou ter sido aprovado em curso específico.” Como visto, a atividade de que trata o artigo 1º depende de registro no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas RNTR-C, da comprovação da propriedade do veículo e experiência de três anos na atividade. Ao contrário do que afirma, o autor apelante possui registro na ANTT, sob o número 050387433, conforme é possível constatar por simples ao com- provante de fls. 433. Incontroverso, ainda o fato de o veículo utilizado no transporte é de sua propriedade, observando-se por meio das notas fiscais de fls. 407/432 que sua remuneração era variável conforme os fretes realizados. Ainda, é de se notar que o autor cumpria o requisito da experiência, haja vista a data dos registros na ANTT (2007 e 2011). Destaco que as notas fiscais denotam que o autor prestava o serviço como autônomo, desde o início, conforme notas fiscais juntadas (fls. 407/432). O conjunto probatório é desfavorável ao autor apelante, porque preen- chidos os requisitos da Lei 11.442/07 a caracterizar a relação comercial entre as partes, afastando-se a alegação de vínculo empregatício Quanto a multa por litigância de má-fé a renitência em prosseguir com te- ses insustentáveis, apenas comprovam e justificam sua manutenção por utilizar o processo para conseguir objetivo ilegal (art. 80, III, CPC). A r. sentença, portanto, deve ser mantida por seus fundamentos e os ora acrescidos, majorando a verba honorária para 12% do valor da causa, ressalva- do, no que couber, a gratuidade da justiça. Ante o exposto, nego provimento ao recurso.